Pesquisar este blog

sexta-feira, 18 de março de 2011

MULHER FORMOSA...

Google Imagens
Somos todos sabedores das infindas idiossincrasias delegadas culturalmente às mulheres. A mais ridícula de todas: mulher é sexo frágil... Não acredito. Ainda bem que já comprovaram, cientificamente, o contrário. É, na Indonésia os bebês que nascem do tamanho da palma da mão, somente os do sexo feminino sobrevivem. Os homens, coitados, nem o rótulo de Brutus consegue mudar essa história. Aqueles que se consideram sexo forte, relaxem e concebam... Ou então, tentem contrariar a dona Ciência. Nasçam do tamanho da palma da mão pra ver!!! Não adianta. O tempo em que a casa só tinha um esteio, já se foi. Em muitas, hoje, elas são o alicerce, o esteio e o telhado.
Google Imagens
A velha concepção de sexo frágil criou muitas crostas feministas. A cantora Marina Elali interpreta uma música (composta por Alexandre Leão e Manuca Almeida) que, apesar de ser uma bela canção, expressa muito bem a cosmologia imposta ao universo feminino: MULHERES GOSTAM. De flores, de shampoo, de espelho, de corpo nú; de mulheres, de batom, de meias; de homens que não perguntam se foi bom; de gastar, gastam o tempo, não gostam de ver o tempo passar; mulheres ainda querem casar. Analiso como uma tarefa arriscada, na atualidade, tentar fazer liames entre gostos e sexo. Daí o velho ditado: Gosto e sexo, cada um tem o seu... Melhor dizer sexo. Concordam?
Google Imagens
Porém há no musipoema um detalhe importantíssimo que clarifica o grande diferencial entre os sexos. Talvez seja isso que me faz concordar em gênero, número e caso com a tese da dona ciência: MULHERES GERAM. Neste ponto sou Neandertal. É isso mesmo: sou cavernoso... Nossos parentes das cavernas devem ser considerados Homo sapiens. Não pelo fato de que eram mais fortes e tinham um cérebro maior. Mas por terem conseguido identificar o grande diferencial entre os sexos. Veja, dentre as heranças deixadas por eles, há uma relíquia que chama atenção. Uma escultura feminina nomeada pelos antropológos de “Vênus”: Mulher formosa...
Vênus de Willendorf
Uma justa homenagem às mulheres, petrificada e perpetuada na história. Nossos ascendentes das cavernas, exímios observadores,  esculpiram a mulher no estado interessante. As formas são avantajadas. Seios e ventre dilatados. Supõem-se que os pioneiros na arte de esculpir tinham certa curiosidade pelo período gestacional. Gerar, dar a luz a outro ser: feito fantástico... Inexplicável não somente àquele época, pois ainda guarda mistérios. 
Apesar das "limitações" técnicas, o Neandertal soube, inteligentemente, negritar o que realmente difere estes seres maravilhosos que arriscam a própria vida para perpetuar a espécie. Elas ultrapassam a barreira do humano para gerar. Buscam força sobrehumanas. Como os sábios da caverna quero homenagiá-las, sempre... Não pelo sangue do massacre de 08 de março, mas pelo sangue em prol da vida... Não porque encurtaram os vestidos e vestiram calça, blazer; não porque provaram que são inteligentes; não porque subiram nas ribaltas; não porque assumiram postos outrora ocupados somente pelo sexo masculino - frágil; não porque puderam expressar seus desejos reprimidos; não porque assumiram a presidência da República. Não, não, não! Mas, simplesmente, porque são MULHERES, SEXO FORTE...
(Hadson de Sousa)

segunda-feira, 7 de março de 2011

RESTOS DO CARNAVAL (CLARICE LISPECTOR)

Clarice Lispector - Google imagens
Não, não deste último carnaval. Não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
E as máscaras? Eu tinha medo mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça – eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável – e pintava a minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.
Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco a fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que eu jamais vira.
Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga – talvez atendendo a meu apelo mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel – resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse, pelo menos estaríamos de algum modo vestidas – a ideia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha – mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quanto ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel eu me vesti de rosa.
Muitas coisas que me aconteceram tão piores que esta, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge – minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa – mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil – fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.
Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos já lisos de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.

(Clarice Lispector em Felicidade Clandestina)

sábado, 5 de março de 2011

MÁSCARAS DO DIA-A-DIA...

DI CAVALCANTI - SONHOS DE CARNAVAL (1955)

Ó abre alas pro meu EU passar...

Por estes dias uma energia diferenciada envolve o Brasil. Sentimos uma sensação de liberdade, mesmo que fugaz. Por algum tempo temos a oportunidade de nos fantasiarmos de nós mesmos. Apesar de tanto nudez física, o carnaval é uma oportunidade única de estarmos nus; não de vestes.
Sim, fiques triste que este mundo não é feito de EUs...
Ao acordarmos nos outros dias do ano, nos fantasiamos para os bailes nossos de cada dia. E são muitas as opções... Obrigatoriamente, nos vestimos de pais, mães, maridos, esposas, patrões, empregados, policiais, garanhões, sedutoras, machistas, feministas, bandidos, vitimas, amigos, inimigos etc. etc. etc. Não faltam rótulos. Somos “boa praça”, ou melhor: produtos da praça. Temos muitas alternativas de capas sociais para ocultar o nosso verdadeiro EU.
Atrás do trio elétrico. não vai o EU que já morreu.
Contudo, durante o festival da carne nosso verdadeiro EU aflora sem vergonha e, tiramos do fundo do baú aquilo que não é fantasia: estamos, portanto, nus. Conscientes de que a crítica e a censura estão de folga, bebemos coragem e expomos nossos desejos incontidos; sem esquecer, claro, que tudo terminará em cinzas. Tudo acabado e nada mais...
Beba até se afogar em si mesmo. Deixe as águas rolar!
Longe das convenções, tudo é permitido... Nosso eu emerge resplandecente, purpurinado. Não nos envergonhamos de nós. Só a epiderme nos reveste. Assim, um pouco de anestésico basta para encaramos a apoteose sem máscaras impostas, mas mascarados da verdade... Não dá pra conter a emoção: é porre na certa. Caímos com os confetes e as serpentinas. Ai, ai, ai, ai.

A nossa vida deveria ser um carnaval,
Porém a gente brinca escondendo a dor...
       Quando levantarmos, não nos lembraremos de nada, propositalmente. Ora, ora, não é todo dia que temos a oportunidade de participar de um entrudo onde não nos arremessam as pedras da moral forjada. Nosso mais sincero segredo é motivo de graça, não de escândalo. Depois, é hora de vestir os personagens dos bailes da vida. Pois só os corajosos fazem da vida um eterno carnaval. Todo mundo prefere levar a vida no arame, com a máscara da ilusão dos Pierrots e Arlequins. Deixam o seu verdadeiro EU transformar-se em cinzas.

LEIA TAMBÉM:

"RESTOS DO CARNAVAL" (CLARICE LISPECTOR)
http://hadsonsousa.blogspot.com/2011/03/restos-do-carnaval-clarice-lispector.html